Fortuna administrada por bancos, crescem 8,8% por cento, e chega a quase 2 trilhões de reais

O primeiro semestre foi frutífero para os serviços de private banking.
Mesmo com pandemia e estragos em alguns setores da economia, a
dinâmica do mercado de capitais e de transações de fusões e aquisições
serviu de combustível para criar novas riquezas. De janeiro a junho, o
volume das fortunas administrado pelos bancos cresceu 8,8%, para R$
1,768 trilhão, segundo dados da Anbima, associação que representa o
mercado de capitais e de investimentos. Em 12 meses, o incremento foi de
35,4%.
A venda de empresas e de propriedades agrícolas, além de captações
secundárias de ações menos concentradas nos centros financeiros têm
contribuído para ampliar o bolo para além do tradicional eixo Rio-São Paulo.
Segundo recorte da Anbima, o Centro-Oeste cresceu 7,8%, a R$ 40,4
bilhões, enquanto o Nordeste já reúne R$ 80,8 bilhões, com alta de 12%. A
participação relativa ainda é pequena, porém, com 2,28% e 4,57% do
conjunto, respectivamente, porque São Paulo também cresceu (alta de
10,2%), a R$ 1,1 trilhão, representando quase 60% do total do setor. O Rio
ficou com fatia de 12,8% do patrimônio, ou R$ 225,6 bilhões e alta de 12%
no semestre.
Para o segundo semestre, os executivos à frente de alguns dos principais
private banking brasileiros acham que essa toada deve prevalecer, ainda
que com juros em alta na economia e o debate eleitoral antecipado. Mesmo
com projeções de que a Selic terminará 2021 entre 7% e 8%, dos 5,25% ao
ano atuais, a avaliação é que a via de financiamento pelo mercado de
capitais não vai se fechar.
De janeiro a junho, das ofertas de ações que chegaram ao mercado, R$ 24,4
bilhões, ou 35,8% do total, foram secundárias. Ao longo de 2020, a liquidez
criada aos donos de empresas que vendem um pedaço da sua participação
atingiu R$ 53,5 bilhões, R$ 10 bilhões a menos que as ofertas primárias, nas
quais que os recursos irrigam o caixa das companhias. Já os volumes de
fusões e aquisições cresceu oito vezes chegou a US$ 56,8 bilhões, segundo
dados compilados pela “Reuters”.
No BTG Pactual, a captação se mostrou forte em todos os escritórios
regionais, segundo Rogério Pessoa, sócio responsável pelo private banking.
São Paulo e Rio seguem na liderança, mas já há mais fluxo vindo dos Estados
do Sul e de Minas Gerais. O Nordeste fica mais atrás. Há cerca de dois
meses, o banco abriu um escritório em Campo Grande (MS) para estar mais
próximo do segmento agro.
“Se chega lá com o discurso da Faria Lima, do CDI, da Selic ou coisas do
gênero não tem muito sucesso. O cliente está acostumado a investir o
resultado em mais terra, gado, plantação”, diz Pessoa. “É preciso estar
próximo, falando a mesma língua, essa é uma vantagem competitiva num
segmento em que o PIB vai melhor.”
O executivo diz que, no segmento de investidores do topo da pirâmide
social, há famílias de várias regiões criando seus próprios escritórios de
gestão de fortunas, cujas estruturas ficam em São Paulo. Dos R$ 379 bilhões
que o BTG tem em recursos sob seu guarda-chuva, pouco mais de R$ 110
bilhões vêm dos “single family office”, diz Pessoa.
No primeiro semestre, os volumes do wealth do BTG Pactual cresceram 47%
em relação a dezembro e praticamente dobraram na comparação com
junho de 2020. Além das atividades típicas de criação de riqueza e de
crescimento orgânico, o banco vem ganhando corpo em investimentos por
meio de aquisições, como da corretora Necton que adicionou R$ 12 bilhões
no período.
A valorização dos ativos também aumentou o patrimônio. “A gente viu um
movimento grande dos investidores ainda perseguirem investimentos mais
de longo prazo no setor real da economia”, diz Pessoa. “Persiste aquele
tema de os clientes não quererem tanto a renda fixa e sim se expor a ativos
de rentabilidade mais agressiva em relação à inflação.”
No Bradesco, o aumento da base foi uma feliz surpresa, diz o diretor do
private banking, José Augusto Ramalho Miranda. “Mesmo num ano
diferente, atípico, como já tinha sido 2020, continuou o crescimento de
famílias no private, de 37% no número em relação ao ano passado.
Chegamos ao pico de novos relacionamentos em 2021”, afirma. Só no
primeiro semestre, a captação vinda dos novos clientes ficou perto de R$
15 bilhões.
Novos negócios no banco de investimentos e a participação em transações
de fusões e aquisições pelo Bradesco BBI ajudaram na captação no private,
mas 70% do fluxo veio na base do “rouba monte”, diz Miranda. Um pedaço
do incremento também veio do acordo para assumir as operações de
private banking do J.P. Morgan. No fim de junho, o Bradesco tinha R$ 370
bilhões no segmento. “Há eventos de liquidez para um nicho de clientes.
Por mais que a população tenha sofrido com a pandemia, tem um ‘cluster’
passando por um movimento diferente.”
Segundo Miranda, o fato de o banco estar em localidades como Manaus ou
no Centro-Oeste ajuda a capturar os movimentos de liquidez com a riqueza
se espalhando para além das praças tradicionais.
O Santander investiu no crescimento da equipe no primeiro semestre, com
a contratação de 60 profissionais, justamente para ganhar tração em
regiões como Norte, Nordeste e interior de São Paulo, segundo Vitor
Ohtsuki, diretor da divisão de fortunas do grupo no Brasil. O potencial do
agronegócio motivou a estratégia. O Sul, com posições em Curitiba (PR) e
Porto Alegre (RS) também terá adições na cobertura. “Tem mais riqueza
vindo de fora de São Paulo, vide as operações de mercado de capitais no
Nordeste, Sul, Norte. Estamos indo para onde a riqueza está sendo gerada.”
Sem abrir os dados da primeira metade do ano, o executivo diz que a
instituição atingiu quase 65% do objetivo de captação que era esperado
para 2021, para mais de R$ 200 bilhões. Enquanto o mercado deve crescer
entre 12% e 13%, a expectativa do grupo espanhol é incrementar os
volumes entre 15% e 20% em 2021. A participação no bolo de recursos do
segmento private considerada justa, diz Ohtsuki, seria de 15%, mais
compatível com a fatia que o banco tem em outros negócios.
Maior private banking brasileiro, com R$ 670 bilhões, no primeiro semestre
o Itaú Unibanco cresceu 13,4%, uma taxa acima do mercado, destaca Felipe
Nabuco, responsável pelo segmento no Brasil. O desempenho veio tanto da
captação vinda de mais liquidez quanto da valorização dos ativos, com uma
parcela maior das carteiras em renda variável, tanto local quanto
internacional.
Cerca de 25% do volume está no mercado externo, diz Fernando Beyruti,
CEO do Itaú nos Estados Unidos. Ele cita que nos primeiros meses do ano
houve abertura recorde de contas fora do Brasil, quase chegando aos
números de 2020. “O cliente tem acompanhado o cenário de juros mais
baixos por mais tempo e vê um retorno diferenciado do que estava
acostumado. A LCI/LCA [letras dos setores imobiliário e do agro] em que ele
sentava em cima e dava retorno de dois dígitos sumiu.” Há predisposição
para abrir mão de liquidez e explorar classes mais sofisticadas como private
equity.
O executivo afirma que as famílias que fazem esse planejamento no começo
do ano acabam intensificando os aportes no segundo semestre, o que
significa incrementar esses volumes até dezembro. Ao longo do tempo, o
plano é ter uma distribuição maior da alocação lá fora, entre 35% e 40%.
Segundo Beyruti, o brasileiro valoriza o olhar global, a atuação como banco
universal e o cruzamento com a área de banco de investimentos do Itaú
BBA, com IPO ou crédito no Brasil ou fora. O fato de bancos estrangeiros
como J.P. Morgan e Goldman Sachs deixarem de atender no private local
acabou beneficiando a instituição, diz.
Nabuco acrescenta que o banco tem conseguido fechar parcerias com
butiques de investimentos lá fora para dar acesso ao brasileiro a
alternativas mais sofisticadas, trazendo o filé mignon não só para as
grandes fortunas, mas também para famílias com patrimônio de R$ 1,2
milhão, que entram com tíquetes menores, entre US$ 100 e US$ 150 mil.
A presença em diversas geografias tem contribuído para o Credit Suisse
manter a posição de estrangeiro mais bem colocado na gestão de fortunas
dos brasileiros. Segundo Rafael Gross, chefe da área comercial da divisão
internacional de riqueza no país, o grupo cresceu acima da média do
mercado no primeiro semestre, com o fluxo vindo de liquidez e do “rouba
monte”.
Em junho, quando anunciou a contratação de dez profissionais do Itaú,
nove do private, o Credit Suisse reportava um crescimento de 30% no Brasil
em ativos sob custódia no ano, a R$ 370 bilhões. A potencial migração de
carteiras do concorrente ainda não teve efeito porque a maioria dos
executivos está presa ao contrato de trabalho antigo. Gross acha que o
segundo semestre tende a ser tão bom quanto o primeiro e que a
diversificação de moedas vai continuar.
O viés da internacionalização tem sido responsável pela expansão do
private banking do Citi no Brasil, diz Eduardo Ventura, chefe da divisão no
Brasil. No primeiro semestre, os ativos cresceram 27%. “O investidor
percebeu a capacidade de rentabilizar o patrimônio não só no mundinho da
renda fixa no Brasil. Ao olhar para fora abre-se um leque absurdo e ao
mesmo tempo é muito difícil gerenciar uma carteira global das famílias
sentado na Faria Lima”, afirma. Com os retornos mais magros na renda fixa,
há mais procura por investimentos na economia real, afirma Ventura,
enquanto a preocupação com a inflação tem acelerado a compra de
imóveis. Sai de cena o perfil puramente rentista.
A participação em muitas das operações de mercado de capitais que foram
para a rua serviu de ponte para a XP ampliar a sua base de milionários. Além
disso, a placa hoje é mais conhecida e o cliente se sente mais confortável
em aumentar a parcela da carteira que mantém com a plataforma, diz Beny
Podlubny, chefe global da área de gestão de fortunas. “O cliente que tinha
um share pequeno tem aumentado o relacionamento com outras linhas de
negócios e vendo nossa maturidade, ele transfere mais fundos exclusivos,
previdência privada e seguros.”
Contando o atendimento direto e via agentes autônomos, a XP fechou
junho com cerca de R$ 260 bilhões. De acordo com Podubny, em termos de
volumes sob gestão, dois terços vêm do pool próprio, mas os clientes
atendidos via B2B são mais numerosos.
O crédito também ganhou espaço no segmento private, enquanto os juros
ainda estavam em níveis muito baixos, segundo José Ramos Rocha Neto,
presidente do fórum de distribuição da Anbima. “Muitos clientes viram
como oportunidade para usar o crédito pessoal, dando a aplicação como
garantia. E quando fazem isso, os spreads são mais achatados”, diz. As
carteiras como um todo cresceram 11,4%, a R$ 61,2 bilhões no primeiro
semestre.
A expansão foi mais forte no agronegócio (15,6%), que alcançou R$ 27,1
bilhões, seguida pelas operações de capital de giro (13,6%), a R$ 12,4
bilhões. Na linha de capital de giro, Rocha diz que tem muita operação
associada a holdings familiares, enquanto no agro há a compra de máquinas
e implementos agrícolas na pessoa física por questões fiscais.
Ventura, do Citi, acrescenta que, durante a pandemia, as famílias também
direcionaram recursos para a compra de imóveis no exterior. Na lista de
desejos dos milionários também entrou o financiamento de aeronaves, diz
Ohtsuki, do Santander.

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